“A Mostra atua para formação de repertório”

“Não há nada que substitua no processo de formação da pessoa, de sua identidade e subjetividade, poder conhecer muitas pessoas e coisas diferentes”, afirmou João Alegria, diretor do Canal Futura, durante sua passagem pelo festival. Segundo ele, o potencial da mostra para pluralizar o repertório das crianças foi um dos motivos que levou o Canal Futura a tornar-se um apoiador. A parceria permitiu ao festival voltar a dar prêmios depois de um ano sem premiações. “Cinema ajuda a formar uma narrativa do mundo. Há uma narrativa real e outra ficcional, que tem a ver com o imaginário e representação. Uma pessoa é bastante saudável quando consegue formar muitas dessas representações, isso ajuda a decodificar coisas no mundo e conviver de forma mais pacífica: estamos precisando”, defendeu.

Confira a entrevista completa.

 

Como começou o relacionamento do Canal Futura com a Mostra?
A Mostra sempre foi uma oportunidade de conhecer produtores brasileiros que realizam conteúdos de qualidade para infância. Nos últimos anos, dentro do espaço da Mostra, aconteceram encontros muito importantes entre realizadores e estúdios de animação, quando ainda se organizava esse movimento, que depois veio resultar em tantos produtos brasileiros de animação, distribuídos comercialmente. Quando você pensa em Peixonauta, Amigãozão, Escola de Cachorros e vários outros conteúdos bacanas que surgiram na TV brasileira com distribuição mundial, nos últimos oito anos, vai identificar a Mostra como espaço em que as pessoas se encontraram para discutir modelos de negócios e caminhos para realização. A mostra tem papel muito importante nesse contexto e continua sendo lugar de referência.

Como se dá o diálogo da TV com o cinema?
A gente não tem separado uma coisa da outra. Apesar de que seja uma questão polêmica. No Festival de Cannes, por exemplo, ocorreu lançamento de um filme feito para ser distribuído pelo Netflix, o que gerou protestos. Na realidade contemporânea falamos de audiovisual com diferentes formatos e durações, feito não necessariamente para passar no cinema. Acho que a separação está ficando para trás. No Futura tratamos de tudo isso como do mundo do audiovisual. Sabemos que a narrativa ficcional de longa duração tem uma grande tradição de realização vinculada à história do cinema. O jeito de contar a história e filmar, o tipo de produção e tratamento são diferentes de um programa ligeiro para televisão. Produções sérias, como Breaking Bad são cinematográficas e, ao mesmo tempo televisivas, isso reflete um pouco o que é o audiovisual contemporâneo. É uma experiência interessante ter contato com o audiovisual na sala de cinema, essa sala grande e escura: coletiva. Nós percebemos aqui na exibição do Peixonauta, como as crianças batem palmas e pés no chão, participando daquilo como momento coletivo da vida em sociedade. Mas, o audiovisual também funciona num consumo mais privado. Há produções de televisão sendo vistas nessa mesma condição e do cinema numa condição particular como na tela de smartphone. Essas coisas estão dissolvidas.

 

Foto: Carolina Arruda

Foto: Carolina Arruda

 

Por que é importante para o Canal Futura apoiar a Mostra?
O apoio coloca o canal ao lado de uma iniciativa extremamente importante, valiosa do ponto de vista de sua necessidade cultural e social. Então é algo que nos aproxima de uma coisa muito boa que existe aqui, e que está vinculada a tudo que acreditamos sobre audiovisual e educação. A resposta afirmativa tem a ver com a importância de atuarmos pela manutenção de um campo público da comunicação e do audiovisual. Em geral, em momentos de crise, todos esses projetos que tem a ver com educação e cultura – que não são negócios – voltados a benefícios para sociedade como um todo, tendem a sair do radar dos empresários e do próprio Estado. Mas são tão importantes quanto resolver o problema da inflação. É pobre de espírito pensar que numa situação de crise, educação e cultura sejam menos importantes. Infelizmente, no Brasil, projetos como esse estão sofrendo ameaças muito graves. Tentamos defender e trabalhar em favor da importância dessas iniciativas. Topamos imediatamente quando ficamos sabendo que a TV Brasil não poderia mais contribuir como parceira da Mostra. Não dá para imaginar que a mostra pudesse ficar sem oferecer prêmios que resultam de uma votação popular. Que a cidade e crianças ficassem sem a oportunidade de fazer valer a sua preferência. A gente tem se esforçado para não deixar essas iniciativas legais desaparecerem.

 

Como você percebe a importância do acesso cultural?
Cultura e educação são essencialmente espaços coletivos em que a sociedade se encontra para construir coisas em comum. Participar de um evento cultural tem uma dimensão coletiva. Nos tempos de crise, os momentos de criação de ambientes sociais e coletivos, onde as pessoas possam se encontrar, se fortalecer mutuamente e se sentir como comunidade, são ainda mais importantes. São momentos em que a sociedade reencontra sentido nela própria e força para prosseguir. Todas as famílias reunidas na Mostra, em convivência, criam laços que não são possíveis nas dimensões mais individuais. A saída das crises não está na dimensão individual, mas social. Educação e cultura são áreas onde temos a experiência de viver em sociedade. Uma passeata, por exemplo, tem dimensão cultural, é um grande espetáculo.

 

Infância, cinema e futuro é o tema da 62ª edição da Revista Filme Cultura, do Ministério da Cultura, lançada neste ano na Mostra. Como você vê esse momento em que o cinema voltado à infância ganha destaque?
A Mostra tem atuado nesses 16 anos para a formação de repertório. O festival sempre foi referência de produção de conteúdo brasileiro e internacional, ao qual geralmente as pessoas não têm acesso no dia a dia. Apesar das crianças terem tanto acesso à informação, não há diversidade de repertório, de referências, experiências culturais, de pluralidade. Não há nada que substitua no processo de formação da pessoa, de sua identidade e subjetividade, poder conhecer muitas pessoas e coisas diferentes. As pessoas não têm tido acesso ao diferente, e isso é um problema. O cinema e o audiovisual ajudam a formar uma narrativa do mundo. Há uma narrativa real e outra ficcional, parte do imaginário, que tem a ver com representação. Uma pessoa é bastante saudável quando consegue formar muitas dessas representações, isso ajuda a decodificar coisas no mundo e conviver de forma mais pacífica: estamos precisando.

 

Entrevista: Paula Guimarães



Publicado em 04 julho 2017


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